A Igreja deve ser um farol marcando o caminho seguro para a verdadeira plenitude e esperança. Infelizmente, porém, a Igreja hoje muitas vezes submete-se a narrativa secular sem ao menos se dar conta disso. Nossa pregação pode facilmente enfatizar que somos o que merecemos, dizendo as pessoas que devem se dedicar a fazer coisas agradáveis a Deus para que Ele continue aceitando-as. No entanto, o verdadeiro cristianismo baseia toda sua esperança no que Deus prometeu fazer por nós, e através de nós, por causa de seu amor - e não sobre o que devemos fazer para ganhá-lo.
E aqui reside o valor da mensagem central do Anglicanismo da Reforma. Forjado em um momento no qual a Igreja ocidental perdia-se pelo caminho, suas principais características iluminam o Evangelho autêntico uma vez mais, agora no Século XXI.
1. A Reforma Anglicana é apostólica.
Em uma era de incertezas, quando a busca pela verdade foi substituída por uma busca interminável pelo "verdadeiro eu", a Reforma Anglicana fundamenta-se na sólida rocha das testemunhas oculares de Jesus.
No meio da confusão doutrinária do período medieval, os protestantes fizeram uma distinção simples, mas significativa. A Bíblia, como testemunha dos apóstolos, tem autoridade única para a fé. Os escritos dos líderes das Igrejas mais recentes poderiam ser úteis para a vida cristã, mas a Escritura é seu próprio interprete e tem autoridade final sobre Deus e nosso relacionamento com ele.
Thomas Cranmer, o principal reformador inglês, apontou que importantes teólogos já haviam ensinado esse princípio antes, como John Chrysostom e Agostinho. Assim, para certificar-se de que a nova e autônoma Igreja da Inglaterra era verdadeiramente apostólica, os reformadores ingleses adotaram o princípio do Sola Scriptura.
2. A Reforma Anglicana é católica.
Sempre é bom recordarmos que os Reformadores nunca viram a si mesmos como algo diferente. Eles se consideravam nada mais que bons católicos e confessavam o que todo os cristãos católicos sempre consideraram verdadeiro em todos os lugares e em todos os tempos, desde a Igreja primitiva. Assim como seus homólogos romanos, os Reformadores protestantes defendiam os antigos credos e acreditavam na natureza de Cristo e na Trindade, exatamente como ensinavam os quatro primeiros Sínodos Ecumênicos da Igreja.
Num tempo em que tantas denominações cristãs questionam os fundamentos da fé, apenas a sabedoria divina atemporal do Cristianismo apostólico católico - que é abraçado pelo Anglicanismo da Reforma - pode neutralizar efetivamente a falsa esperança ofertada pelas respostas e desejos do coração pós-moderno.
3. A Reforma Anglicana é focada na missão da Igreja.
Os Reformadores Ingleses acreditavam que Cristo veio proclamar uma mensagem que tem o poder de unir toda a comunidade. Foi natural, então, que a primeira grande mudança litúrgica de Thomas Cranmer tenha sido a introdução do Livro das Homilias. Ele quis com isso tremular da bandeira da fé salvadora em corações e mentes, fazendo com que todos no Reino ouvissem a mensagem do Evangelho apresentada de modo claro durante a adoração dominical.
Dois anos após essa medida, Cranmer reforçou o ensino reformado, introduzindo um novo livro de orações (Livro de Oração Comum). Assim, substituiu a liturgia latina por um rito inglês que enfatizava o poder do Evangelho, por meio da Palavra e dos Sacramentos, visando mover os corações a amarem a Deus e uns aos outros.
Embora o foco principal da missão de Cranmer ter sido o povo inglês, do qual era Arcebispo, ele não negligenciou a evangelização dos pagãos fora de seu país. Em "A Collect for Good Friday", por exemplo, pedia a Deus que resgatasse todos os "judeus, turcos, infiéis e hereges" do "desprezo da sua Palavra" e os trouxesse para a casa, para o único rebanho de Jesus Cristo. Mais tarde, os anglicanos levantaram poderosas sociedades missionárias no exterior, sendo hoje nada menos que a terceira maior tradição cristã presente no mundo.
4. A Reforma Inglesa é litúrgica.
Os Reformadores compreenderam que seus planos para a conversão da Inglaterra só teriam sucesso se as pessoas regularmente se sentassem sob o poder transformador das Escrituras. Consequentemente, Cranmer desenvolveu um padrão sistemático de leitura bíblica para as paróquias locais, a serem utilizados durante seus serviços diários de Oração Matutina e Oração Vespertina. O resultado foi que a Bíblia quase por inteira passou a ser lida todos os anos.
Cranmer também viu que os Sacramentos eram uma forma de fazer tangível as promessas bíblicas de Deus. Como os seres humanos aprendem por meio de seus sentidos - pelo que escutam, vêem, cheiram, falam e tocam - Cranmer entendeu que quando a Palavra de Deus une-se as coisas criadas, como a água, o pão e o vinho, a realidade das promessas anunciadas afeta mais profundamente as pessoas. Quando o ministro recita a narrativa bíblica da Última Ceia, o Espírito de Deus entra nos corações dos fiéis, fortalecendo sua fé e aprofundando seu amor.
Aqui está o coração da visão litúrgica de Cranmer: o amor Divino e gracioso, constantemente comunicado pelo Espírito Santo na repetição regular das promessas bíblicas através da Palavra e dos Sacramentos, inspira o amor humano agradecido, atraindo os crentes para Deus, para os seus semelhantes e a busca por uma vida de piedade.
5. A Reforma Inglesa é transformadora.
A transformação externa começa pela renovação interna dos nossos desejos, produzida pelo evangelho apostólico. Aqui está a chave para o florescimento humano. A graça produz gratidão. Da gratidão nasce amor. O amor produz arrependimento. O arrependimento produz boas obras. E as boas obras contribuem para uma sociedade melhor.
Dada sua ênfase na doutrina paulina da salvação, a Reforma Anglicana é, talvez, a melhor resposta para aqueles que procuram um meio de transformação autêntica, de dentro pra fora,
Sua relevância hoje.
Para aqueles que no Século XXI procuram significado e propósito para a vida, o compromisso do Anglicanismo Reformado com a sabedoria atemporal do ensino apostólico dá-lhes uma pedra sólida sobre a qual se firmarem.
Para aqueles que procuram um sentido de continuidade histórica, o Anglicanismo Reformado oferece à comunidade vínculos estreitos com a Igreja antiga, expressa em sua fidelidade às Escrituras, aos Credos históricos e aos quatro Primeiros Concílios.
Para aqueles que fazem das necessidades dos outros sua própria prioridade máxima, o foco da missão do Anglicanismo Reformado incentiva o que Deus já plantou em seus próprios corações.
Para aqueles que buscam ser sustentados por uma adoração inspiradora, sistemática, fiel as Escrituras e a Reforma, o patrimônio litúrgico do anglicanismo oferece, provavelmente, o melhor modelo para proclamar o Evangelho da Graça, unindo a beleza antiga e a sensibilidade contemporânea.
Para aqueles que procuram mudanças reais em si mesmos e na sociedade, a visão do Anglicanismo Reformado sobre a renovação das afeições humanas fornece meio mais autêntico para experimentar o florescimento humano.
Precisamos do Anglicanismo Reformado no Século XXI, porque seus princípios abordam de maneira exclusiva as necessidades contemporâneas de nossa sociedade globalizada.
Nota do editor: artigo originalmente publicado no site The Gospel Colalition. Traduzido com algumas adaptações para o Olhar Anglicano por Marcelo Lemos.
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